O Fórum de Saúde do Rio de Janeiro - FSRJ


 
O FÓRUM DE SAÚDE DO RIO DE JANEIRO E A FRENTE CONTRA AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS
*Maria Inês Souza Bravo

O Fórum de Saúde do Rio de Janeiro existiu no período de 2005 a 2006, face a Crise da Saúde no Rio de Janeiro. Em 2007, transformou-se em Fórum em Defesa do Serviço Público e Contra as Fundações de Direito Privado. Este foi o caminho de unidade encontrado pelo movimento para intervir no processo de tramitação do Projeto de Lei que autoriza a criação de Fundações Estatais de Direito Privado na Saúde, para gerir 24 hospitais. Mesmo após a aprovação e sanção da Lei este espaço se manteve buscando a participação de outros movimentos sociais, especialmente nas áreas futuramente afetadas pelo projeto de fundações que segue em discussão no Congresso Nacional - o Projeto de Lei Complementar (PLC) n° 92/07.
A principal ação de resistência articulada e organizada conjuntamente pelas entidades que compunham o Fórum consistiu no Ato Político Contra as Fundações Estatais de Direito Privado e em Defesa da Saúde Pública, realizado no dia 7 de abril de 2008, na ALERJ, que contou com a participação de cerca de seiscentos participantes de diversas forças políticas.
Este Fórum, no segundo semestre de 2008, desdobrou-se no Movimento Unificado dos Servidores Públicos Estaduais (MUSPE) a fim de unificar a luta dos servidores públicos estaduais com a proposta de ampliar para os demais servidores: federais e municipais.
Em janeiro de 2009, foi criado o Fórum de Saúde do Rio de Janeiro para dar seguimento a luta dos sujeitos sociais em defesa da saúde pública que se reúne mensalmente, na última terça-feira, na UERJ. Este mecanismo não pretende fragmentar as ações efetivadas pelo MUSPE, mas articulá-las e ser um espaço de debate com relação à saúde junto com os movimentos sociais e a academia.
As principais atividades desenvolvidas, em 2009, além das reuniões ordinárias do Fórum de Saúde, foram: o Curso de Extensão “Política de Saúde na Atualidade”; o Seminário “Movimentos Sociais, Saúde e Trabalho”; Ciclo de Debates de temas atuais da conjuntura de saúde e o Seminário “Os Partidos Políticos e a Saúde”. A votação pela Assembléia Legislativa e pela Câmara de Vereadores do Projeto das Organizações Sociais (OS) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), em 2009, exigiu do Fórum de Saúde do Rio de Janeiro uma posição. Nesta direção, foi lançado um Manifesto em defesa do Sistema Único de Saúde e contra a Privatização, com a assinatura de diversas entidades e organizado um Ato Público.
Em maio de 2010, com a ampliação das Organizações Sociais em vários estados do Brasil houve a articulação dos Fóruns de Saúde do Rio de Janeiro, Paraná, Alagoas, São Paulo e Londrina para compor uma frente nacional pela procedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) 1.923/98, contra as organizações sociais (OS).
As ações planejadas por esses Fóruns são: pautar junto ao Supremo Tribunal Federal a importância de votarem favoravelmente à ADIN 1923/98; divulgar a carta nacional pedindo a aprovação da ADIN assinada por entidades, movimentos sociais do país; constituir campanha através de um abaixo-assinado digital a fim de mobilizar a população e explicitar os problemas da privatização. Como desdobramentos desta mobilização estão previstas as seguintes ações: Dia Nacional de luta contra as organizações sociais; realização de um Seminário Nacional com a participação dos Fóruns de Saúde e das entidades nacionais que estão participando mais diretamente da frente; mobilização e articulação com outros Fóruns que estão surgindo.
Considera-se, portanto, na atual conjuntura, fundamental a articulação nacional através da Frente entre os diversos Fóruns com vistas à construção de um espaço que fomente a resistência às medidas regressivas quanto aos direitos sociais e contribua para a construção de uma mobilização em torno da viabilização do Projeto de Reforma Sanitária construído nos anos oitenta no Brasil.

*Assistente Social; Doutora em Serviço Social – PUC/SP; Professora Aposentada da UFRJ; Professora Adjunta da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ; Procientista da UERJ e Coordenadora dos Projetos “Políticas Públicas de Saúde: o Potencial dos Conselhos do Rio de
Janeiro” e “Saúde, Serviço Social e Movimentos Sociais”, da Faculdade de Serviço Social da UERJ, financiados pelo CNPq e UERJ. (mibravo@uol.com.br). 


PROPOSTA DO FÓRUM DE SAÚDE DO RIO DE JANEIRO PARA A DEFESA E EFETIVAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)[1]

PRINCIPAIS QUESTÕES PARA A IMPLANTAÇÃO DO SUS:

    O predomínio da lógica macro-econômica de valorização do capital financeiro e subordinação das políticas públicas, sobretudo as políticas sociais à mesma, encolhendo os direitos sociais e ampliando o espaço do mercado.
    Manutenção do quadro de ampla desigualdade social e iniqüidades regionais e sociais nas condições de vida e saúde.
    Não viabilização da concepção de Seguridade Social inscrita na Constituição Federal de 1988 – que propõe uma política de proteção social universal, democrática e participativa.
    Subfinanciamento e distorções nos gastos públicos influenciado pela lógica do mercado, e utilização de modelos gerenciais de caráter privatizante.
    Déficit da balança comercial na área da saúde com dependência de importações e preços elevados para o setor público, de equipamentos, medicamentos e insumos estratégicos para a saúde.
    Dificuldades de acesso integral, universalizado e equânime em todos os níveis do sistema, aos serviços, bens e insumos, sobretudo a medicamentos.
    Ampliação contínua do provimento de ações e serviços de saúde através do mercado privado, e inserção de elementos de co-pagamento dentro do sistema público de saúde, ferindo a Constituição de 1988 e as Leis 8080/90 e 8142/90.
    Incorporação tecnológica indiscriminada no Sistema Único de Saúde, na perspectiva da mercantilização.
    Ausência dos princípios ético-políticos do Projeto de Reforma Sanitária, formulado nos anos 1980, o que reduz a possibilidade de enfrentamento efetivo das desigualdades sociais.
    Não valorização do Controle Social e da Participação Social. Falta de articulação dos movimentos sociais com os conselhos e conferências na defesa da saúde.
    Não cumprimento das deliberações dos conselhos e conferências de saúde em todos os níveis
    Precarização do trabalho e terceirização dos trabalhadores da saúde, bem como ausência de políticas de valorização e incentivo ao profissional.
    Processos de trabalho desarticulados, e a inviabilização da política de Educação Permanente em Saúde, dificultando a participação consciente, desestimulando a responsabilidade, e inibindo o exercício da criatividade.
    Introdução de mecanismos de competição dentro do setor público, com critérios de mercado.
    Modelo de atenção à saúde centrado na doença e focalizado, em detrimento das políticas universais, integrais e intersetoriais.
    Falta de articulação programática e alinhamento entre as três esferas de governo no que tange aos objetivos e diretrizes estratégicos para as políticas de proteção social.
    Modelo de gestão com configurações burocráticas e verticalizadas de organização dos processos de trabalho.
     Transferência para o setor privado de atividades de interesse público, através de privatizações e terceirizações, entre outros mecanismos.
    Estabelecimento de metas de forma não democrática, e que não atendem à demanda da população.

PROPOSIÇÕES PARA A DEFESA DA SAÚDE[2]:

    Definição de uma política econômica direcionada ao mercado interno de massas, articulada a uma política social de garantia de direitos sociais.
    Defesa da Seguridade Social como política de proteção social universal possibilitando a construção de políticas sociais intersetoriais que assegurem os direitos relativos à saúde, assistência social e previdência social.
    Convocar a Conferência Nacional de Seguridade Social e recriar o Conselho Nacional de Seguridade Social.
    Articulação do debate da Reforma Sanitária a um projeto de transformação social da ordem vigente, ou seja, de radicalização da democracia que permita um real deslocamento do poder em direção as classes subalternas.
    Aprimoramento do modelo de financiamento do SUS através das seguintes medidas:

a) Financiamento efetivo para as Políticas Sociais, com a retomada dos princípios que regem o Orçamento da Seguridade Social.

b) Lutar contra a manutenção da DRU (desvinculação das receitas da união de 20%dos recursos destinados aos setores sociais).

c) Regulamentação da Emenda Constitucional 29, que estabelece critérios e percentuais para financiamento das ações e serviços de saúde, enquanto se reconstitui o financiamento integrado da Seguridade Social compatível com as necessidades sociais.

d) Implementação de mecanismos de alocação eqüitativa que considere as diferenças loco-regionais e as variáveis sócio-epidemiológicas.

e) Ampliação da efetividade e a eqüidade na alocação dos recursos de investimento em saúde.

    Ampliação do desenvolvimento tecnológico e inovação em equipamentos, insumos, métodos e processos de saúde pública. Fortalecer a capacidade reguladora estatal de incorporação tecnológica de insumos e equipamentos.
    Fortalecimento efetivo do parque tecnológico público de produção de medicamentos e insumos estratégicos em saúde, e do marco regulatório sobre as indústrias privadas, nacionais e multinacionais.
    Ampliação da capacidade regulatória do Estado na iniciativa privada através dos seguintes mecanismos:

a) Aumento do controle sobre a rede privada de prestação de serviços e garantia de que esta seja complementar ao setor público.

b) Extinção dos subsídios e isenções fiscais para operadores e prestadores privados de serviços, planos e seguros.

c) Abolir a renúncia fiscal para gastos com planos, seguros ou desembolso direto em saúde, aposentadoria privada e gastos com educação (ou redirecionar esses recursos para o sistema público de saúde).

    Defesa dos princípios e diretrizes do SUS: universalidade, integralidade, participação social e descentralização. Combate a toda e qualquer tentativa de privatizar o SUS.
    Adoção do modelo de atenção centrado no cidadão de direitos, substituindo o modelo clínico. Ter como princípios a integralidade e a participação dos usuários no processo de promoção, prevenção e cura. Ampliar o acesso e a capacidade resolutiva da atenção primária e a continuidade do cuidado nos demais níveis do sistema. Incrementar ações e adequações que possibilitem uma maior humanização do cuidado, qualidade dos serviços e satisfação do usuário.
    Revisão dos modelos de gestão burocratizados, clientelistas e terceirizados para uma gestão pública e democrática com a efetiva participação dos diversos sujeitos sociais nos rumos da administração pública. Destaca-se como estratégias:

a) Democratizar as instituições de saúde (criação de conselhos gestores de unidade e colegiado de gestão).

b) Desmontar a lógica vertical e fragmentada das instituições de saúde.

c) Implementar medidas estruturantes de gestão para garantir maior flexibilidade e agilidade gerencial, e incrementar o desempenho e geração de resultados voltados para o desenvolvimento do Brasil e seus cidadãos.

d) Garantir a transparência da gestão e do controle dos gastos.

e) Implantar meios e instrumentos de acompanhamento, monitoramento, controle e avaliação, orientados pelos resultados sanitários, e que meçam a eficiência no uso dos recursos e a eficácia das ações e serviços ofertados.

f) Articular as unidades no sistema (especificar com clareza os objetivos das instituições e seu perfil assistencial) e ampliar a capacidade de dar respostas efetivas às demandas.

g) Romper com o isolamento no setor saúde através da criação de novos canais com outras políticas setoriais, infraestruturais, e com outras instâncias e poderes (sociedade, academia, poderes judiciário e legislativo).

h) Investimento para a formação do “novo” gerente/gestor (estabelecimento de critérios para este gestor: não ser indicado e sim eleito, ter responsabilidade sanitária, ter capacidade para gestão democrática e participativa, ser servidor público concursado).

i) Estabelecer mecanismos de responsabilização dos gestores da saúde e dos órgãos executivos das três esferas de governo quanto aos resultados.

    Avançar na gestão do trabalho em saúde em quatro dimensões, tendo como foco a ampliação da estabilidade, do vínculo, da satisfação e do compromisso dos trabalhadores com o Sistema Único de Saúde:

a) Remuneração, vínculos e incentivos (através de Planos de Carreira, Cargos e Salários para o SUS) sem os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal sobre a contratação de pessoal para os serviços e ações públicas de saúde e realização de concursos públicos.

b) Organização do processo de trabalho (novo relacionamento entre equipes com ênfase no trabalho interdisciplinar, participação dos trabalhadores na gestão, melhoria das condições de trabalho e cuidado com a saúde do trabalhador).

c) Educação permanente dos trabalhadores de saúde com a participação dos mesmos no processo e estabelecimento de articulação entre as unidades de formação e os serviços.

d) Redução das iniqüidades na alocação e fixação dos trabalhadores entre as regiões do país.

    Estabelecimento de diretrizes para a formação em saúde voltada para o interesse público da população, estímulo à reorientação dos currículos nas unidades de ensino para as profissões de saúde, estabelecer critérios para a abertura de novos cursos na área da saúde. Defesa do ensino público, gratuito e de qualidade.
    Desburocratização dos fluxos e das instâncias de negociação consensuada (comissões intergestoras), ampliando o caráter técnico e político das pactuações, ganhando em eficiência e transparência, e com participação do controle social.
    Concepção do setor saúde como um espaço de produção e como fator imprescindível de desenvolvimento através da criação de empregos e de riqueza para a nação, além da busca de meios para que as pessoas tenham melhores condições de vida e possam viver mais.
    Fortalecimento da Participação Social e do Controle Social na Saúde articulado com os demais movimentos sociais. Os conselhos são um dos mecanismos de gestão democrática e precisam exigir dos gestores o cumprimento das decisões das conferências de saúde bem como ampliar seus vínculos com os movimentos sociais. A participação dos sujeitos sociais só poderá ser efetiva se houver um amplo trabalho de democratização e socialização das informações para que ocorra uma intervenção qualificada e propositiva no sentido de exigir direitos e exercer formas de pressão sob o poder público.
    Ampliação da gestão participativa e da regulação externa e democrática do sistema público de saúde, articulando com o Ministério Público e outros órgãos /instâncias de representação popular não ligados diretamente à saúde.

A defesa da saúde considerada como melhores condições de vida e trabalho tem que ser uma luta organizada e unificada dos segmentos das classes subalternas articulada com os conselhos, movimentos sociais, partidos políticos para que se possa avançar na radicalização da democracia social, econômica e política.

Conforme afirma Netto (1990)[3], a generalização e universalização dos institutos cívicos, ainda no marco do ordenamento capitalista, é fundamental mas necessita-se ampliar seu conteúdo. Trata-se de postular uma democracia política com claros rebatimentos econômicos e sociais, ou seja, de construir uma democracia de massas organizada de baixo para cima. Este é um desafio posto na atual conjuntura: a ampliação da democracia política e social que conjugue as instituições parlamentares, os sistemas partidários, com uma rede de organização de base (sindicatos, conselhos, organizações profissionais e de bairro, movimentos sociais, democráticos, culturais, comunidades de inspiração religiosas).

[1] Agenda com base no documento “Política de Saúde na Atual Conjuntura: Modelos de Gestão e Agenda para a Saúde”, e revista pelos participantes do Curso de Atualização “Política de Saúde na Atualidade”, promovido pelo Projeto Políticas Públicas de Saúde da FSS/UERJ em 2009. Aprovada e revista na Reunião do Fórum de Saúde realizada no dia 31 de agosto de 2010.

[2] Muitas proposições defendidas nos seminários têm como referência a Carta de Brasília, fruto do 8° Simpósio sobre Política Nacional de Saúde, realizado em junho de 2005, com a participação de mais de oitocentos participantes.

[3] Netto, José Paulo. Democracia e Transição Socialista: Escritos de teoria e política. Belo Horizonte, Oficina de Livros. 1990.